quinta-feira, 30 de abril de 2015

CRÔNICAS

O Melhor Amigo
Fernando Sabino

A mãe estava na sala, costurando. O menino abriu a porta da rua, meio ressabiado, arriscou um passo para dentro e mediu cautelosamente a distância. Como a mãe não se voltasse para vê-lo, deu uma corridinha em direção de seu quarto.
Meu filho? – gritou ela.
O que é – respondeu, com o ar mais natural que lhe foi possível.
Que é que você está carregando aí?
Como podia ter visto alguma coisa, se nem levantara a cabeça? Sentindo-se perdido,tentou ainda ganhar tempo.
Eu? Nada…
Está sim. Você entrou carregando uma coisa.
Pronto: estava descoberto. Não adiantava negar – o jeito era procurar comovê-la.Veio caminhando desconsolado até a sala, mostrou à mãe o que estava carregando:
Olha aí, mamãe: é um filhote…
Seus olhos súplices aguardavam a decisão.
Um filhote? Onde é que você arranjou isso?
Achei na rua. Tão bonitinho, não é, mamãe?
Sabia que não adiantava: ela já chamava o filhote de isso. Insistiu ainda:
Deve estar com fome, olha só a carinha que ele faz.
Trate de levar embora esse cachorro agora mesmo!
Ah, mamãe… – já compondo uma cara de choro.
Tem dez minutos para botar esse bicho na rua. Já disse que não quero animais aqui em casa. Tanta coisa para cuidar, Deus me livre de ainda inventar uma amolação dessas.
O menino tentou enxugar uma lágrima, não havia lágrima. Voltou para o quarto, emburrado:
A gente também não tem nenhum direito nesta casa – pensava. Um dia ainda faço um estrago louco. Meu único amigo, enxotado desta maneira!
Que diabo também, nesta casa tudo é proibido! – gritou, lá do quarto, e ficou
esperando a reação da mãe.
Dez minutos – repetiu ela, com firmeza.
Todo mundo tem cachorro, só eu que não tenho.
Você não é todo mundo.
Também, de hoje em diante eu não estudo mais, não vou mais ao colégio, não
faço mais nada.
Veremos – limitou-se a mãe, de novo distraída com a sua costura.
A senhora é ruim mesmo, não tem coração!
Sua alma, sua palma.
Conhecia bem a mãe, sabia que não haveria apelo: tinha dez minutos para brincar com seu novo amigo, e depois… ao fim de dez minutos, a voz da mãe, inexorável:
Vamos, chega! Leva esse cachorro embora.
Ah, mamãe, deixa! – choramingou ainda: – Meu melhor amigo, não tenho mais
ninguém nesta vida.
E eu? Que bobagem é essa, você não tem sua mãe?
Mãe e cachorro não é a mesma coisa.
Deixa de conversa: obedece sua mãe.
Ele saiu, e seus olhos prometiam vingança. A mãe chegou a se preocupar: meninos nessa idade, uma injustiça praticada e eles perdem a cabeça, um recalque, complexos, essa coisa
Pronto, mamãe!
E exibia-lhe uma nota de vinte e uma de dez: havia vendido seu melhor amigo por trinta dinheiros.
Eu devia ter pedido cinqüenta, tenho certeza que ele dava murmurou, pensativo.




A útima crônica 

A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.

Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.

Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês.

O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.

São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso."


BRINCADEIRA

Luis Fernando Veríssimo

Começou como uma brincadeira. Telefonou para um conhecido e disse:
Eu sei de tudo.
Depois de um silêncio, o outro disse:
Como é que você soube?
Não interessa. Sei de tudo.
Me faz um favor. Não espalha.
Vou pensar.
Por amor de Deus.
Está bem. Mas olhe lá, hein?
Descobriu que tinha poder sobre as pessoas.
Sei de tudo.
Co- como?
Sei de tudo.
Tudo o quê?
Você sabe.
Mas é impossível. Como é que você descobriu?
A reação das pessoas variava. Algumas perguntavam em seguida:
Alguém mais sabe?
Outras se tornavam agressivas:
Está bem, você sabe. E daí?
Daí nada. Só queria que você soubesse que eu sei.
Se você contar para alguém, eu…
Depende de você.
De mim, como?
Se você andar na linha, eu não conto.
Certo.
Uma vez, parecia ter encontrado um inocente.
Eu sei de tudo.
Tudo o quê?
Você sabe.
Não sei. O que é que você sabe?
Não se faz de inocente.
Mas eu realmente não sei.
Vem com essa.
Você não sabe de nada.
Ah, quer dizer que existe alguma coisa pra saber, mas eu é que não sei o que é?
Não existe nada.
Olha que eu vou espalhar…
Pode espalhar que é mentira.
Como é que você sabe o que eu vou espalhar?
Qualquer coisa que você espalhar será mentira.
Está bem. Vou espalhar.
Mas dali a pouco veio um telefonema.
Escute. Estive pensando melhor. Não espalha nada sobre nada daquilo.
Aquilo o quê?
Você sabe.
Passou a ser temido e respeitado. Volta e meia alguém se aproximava dele e sussurrava:
Você contou para alguém?
Ainda não.
Puxa. Obrigado.
Com o tempo, ganhou uma reputação. Era de confiança. Um dia, foi procurado por um amigo com uma oferta de emprego. O salário era enorme.
Por que eu? – quis saber.
A posição é de muita responsabilidade – disse o amigo. – Recomendei você.
Por quê?
Pela sua descrição.
Subiu na vida. Dele se dizia que sabia tudo sobre todos, mas nunca abria a boca para falar de ninguém. Além de bem-informado, um gentleman. Até que recebeu um telefonema. Uma voz misteriosa que disse:
Sei de tudo.
Co- como?
Sei de tudo.
Tudo o quê?
Você sabe.
Resolveu desaparecer. Mudou-se de cidade. Os amigos estranharam o seu desaparecimento repentino. Investigara. O que ele estaria tramando? Finalmente foi descoberto numa praia remota. Os vizinhos contam que a voz que uma noite vieram muitos carros e cercaram a casa. Várias pessoas entraram na casa. Ouviram-se gritos. Os vizinhos contam que mais se ouvia era a dele, gritando:
Era brincadeira! Era brincadeira!
Foi descoberto de manhã, assassinado. O crime nunca foi desvendado. Mas as pessoas que o conheciam não têm dúvidas sobre o motivo.
Sabia demais.


O ASSALTO

Luís Fernando Veríssimo

Quando a empregada entrou no elevador, o garoto entrou
atrás. Devia ter uns dezesseis, dezessete anos. Preto. Desceram no mesmo andar. A empregada com o coração batendo.
O corredor estava escuro e a empregada sentiu que o garoto a seguia. Botou a chave na fechadura da porta de serviço, já em pânico. Com a porta aberta, virou-se de repente e gritou para o garoto:
- Não me bate!
- Senhora?
- Faça o que quiser, mas não me bate!
- Não, senhora, eu...
A dona da casa veio ver o que estava havendo. Viu o garoto na porta e o rosto apavorado da empregada e recuou, até pressionar as costas contra a geladeira.
- Você está armado?
- Eu? Não.
A empregada, que ainda não largara o pacote de compras,
aconselhou a patroa, sem tirar os olhos do garoto:
- É melhor não fazer nada, madame. O melhor é não gritar.
- Eu não vou fazer nada, juro! – disse a patroa, quase aos
prantos. – Você pode entrar. Você pode fazer o que quiser. Não precisa usar de violência.
O garoto olhou de uma mulher para a outra. Apalermado.
Perguntou:
- Aqui é o 712?
- O que você quiser. Entre. Ninguém vai reagir.
O garoto hesitou, depois deu um passo para dentro da
cozinha. A empregada e a patroa recuaram ainda mais. A patroa esgueirou-se pela parede até chegar à porta que dava para a saleta de almoço. Disse:
- Eu não tenho dinheiro. Mas o meu marido deve ter. Ele
está em casa. Vou chamá-lo. Ele lhe dará tudo.
O garoto também estava com os olhos arregalados.
Perguntou de novo:
- Este é o 712? Me disseram para pegar umas garrafas no
712.
A mulher chamou, com a voz trêmula:
- Henrique!O marido apareceu na porta do gabinete. Viu o rosto da
mulher, o rosto da empregada e o garoto e entendeu tudo. Chegou a hora, pensou. Sempre me indaguei como me comportaria no
caso de um assalto. Chegou a hora de tirar a prova.
- O que você quer? – perguntou, dando-se conta em
seguida do ridículo da pergunta. Mas sua voz estava firme.
- Eu disse que você tinha dinheiro – falou a mulher.
- Faço um trato com você – disse o marido para o garoto –
dou tudo de valor que tenho em casa, contanto que você não toque em ninguém.
E se as crianças chegarem de repente? Pensou a mulher.
Meu Deus, o que esse bandido vai fazer com as minhas crianças?
O garoto gaguejou:
- Eu... eu... é aqui que tem umas garrafas para pegar?
-Tenho um pouco de dinheiro. Minha mulher tem jóias. Não
temos cofre em casa, acredite em mim. Não temos muita coisa.
-Você quer o carro? Eu dou a chave.
Errei, pensou o marido. Se sair com o carro, ele vai querer ter certeza de que ninguém chamará a polícia. Vai levar um de nós com ele. Ou vai nos deixar todos amarrados. Ou coisa pior...
- Vou pegar o dinheiro, está bem? – disse o marido.
O garoto só piscava.
- Não tenho arma em casa. É isso que você está pensando?
Você pode vir comigo.
O garoto olhou para a dona da casa e para a empregada.
- Você está pensando que elas vão aproveitar para fugir, é
isso? – continuou o marido. – Elas podem vir junto conosco.
Ninguém vai fazer nada. Só não queremos violência. Vamos todos para o gabinete.
A patroa, a empregada e o Henrique entraram no gabinete.
Depois de alguns segundos, o garoto foi atrás. Enquanto abria a gaveta chaveada da sua mesa, o marido falava:
- Não é para agradar, mas eu compreendo você. Você é
uma vítima do sistema. Deve estar pensando, “Esse burguês cheio da nota está querendo me conversar”, mas não é isso não. Sempre me senti culpado por viver bem no meio de tanta miséria. Pode perguntar para a minha mulher. Eu não vivo dizendo que o crime é um problema social? Vivo dizendo. Tome. É todo o dinheiro que tenho em casa. Não somos ricos. Somos, com alguma boa vontade, da média alta. Você tem razão. Qualquer dia também começamos a assaltar para poder comer. Tem que mudar o sistema. Tome.
O garoto pegou o dinheiro, meio sem jeito.
- Olhe, eu só vim pegar as garrafas...
- Sônia, busque as suas jóias. Ou melhor, vamos todos
buscar as jóias.
Os quatro foram para a suíte do casal. O garoto atrás. No
caminho, ele sussurrou para a empregada:
- Aqui é o 712?
- Por favor, não! – disse a empregada, encolhendo-se.
Deram todas as jóias para o garoto, que estava cada vez
mais embaraçado. O marido falou:
-Não precisa nos trancar no banheiro. Olhe o que eu vou
fazer. Arrancou o fio do telefone da parede.
- Você pode trancar o apartamento por fora e deixar as
chaves lá embaixo. Terá tempo de fugir. Não faremos nada. Só não queremos violência.
- Aqui não é o 712? Me disseram para pegar umas garrafas.
- Nós não temos mais nada, confie em mim. Também somos vítimas do sistema. Estamos do seu lado. Por favor, vá embora!
A empregada espalhou a notícia do assalto por todo o prédio.
Madame teve uma crise nervosa que durou dias. O marido
comentou que não dava mais para viver nesta cidade. Mas achava que tinha se saído bem. Não entrara em pânico. Ganhara um pouco da simpatia do bandido. Protegera o seu lar da violência. E não revelara a existência do cofre com o grosso do dinheiro, inclusive dólares e marcos, atrás do quadro da odalisca.


À beira-mar
Stanislaw Ponte Preta

Por que será que tem gente que vive se metendo com o que os outros estão fazendo? Pode haver coisa mais ingênua do que um menininho brincando com areia, na beira da praia? Não pode, né? Pois estávamos nós deitados a doirar a pele para endoidar mulher, sob o sol de Copacabana, em decúbito ventral (não o sol, mas nós) a ler “Maravilhas da Biologia”, do coleguinha cientista Benedict Knox Ston, quando um camarada se meteu com uma criança, que brincava com a areia.
Interrompemos a leitura para ouvir a conversa. O menininho já estava com um balde desses de matéria plástica cheio de areia, quando o sujeito intrometido chegou e perguntou o que é que o menininho ia fazer com aquela areia.
O menininho fungou, o que é muito natural, pois todo menininho que vai na praia funga, e explicou pro cara que ia jogar a areia num casal que estava numa barraca lá adiante. E apontou para a barraca.
Nós olhamos, assim como olhou o cara que perguntava ao menininho. Lá, na barraca distante, a gente só conseguia ver pares de pernas ao sol. O resto estava escondido pela sombra, por trás da barraca. Eram dois pares, dizíamos, um de pernas femininas, o que se notava pela graça da linha, e outro masculino, o que se notava pela abundante vegetação capilar, se nos permitem o termo.
Eu vou jogar a areia naquele casal por causa de que eles estão se abraçando e se beijando-se muito – explicou o menininho, dando outra fungada.
O intrometido sorriu complacente e veio com lição de moral.
Não faça isso, meu filho – disse ele (e depois viemos a saber que o menino era seu vizinho de apartamento). Passou a mão pela cabeça do garotinho e prosseguiu: ― Deixe o casal em paz. Você ainda é pequeno e não entende dessas coisas, mas é muito feio ir jogar areia em cima dos outros.
O menininho olhou pro cara muito espantado e ainda insistiu:
Deixa eu jogar neles.
O camarada fez menção de lhe tirar o balde da mão e foi mais incisivo:
Não senhor. Deixe o casal namorar em paz. Não vai jogar areia não.
O menininho então deixou que ele esvaziasse o balde e disse: ―Tá certo. Eu só ia jogar areia neles por causa do senhor.
Por minha causa? Estranhou o chato. ― Mas que casal é aquele?
O homem eu não sei – respondeu o menininho. ― Mas a mulher é a sua.
Preta, Stanislasw Ponte. O gol do padre & outras crônicas. Ática: 1997.


O amor Acaba
Paulo Mendes Campos
O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.
In: O amor acaba, Paulo Mendes Campos, seleção e apresentação Flávio Pinheiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2013


O HOMEM QUE CONHECEU O AMOR
AFFONSO ROMANO DE SANT"ANNA


Do alto de seus oitenta anos, me disse: “na verdade, fui muito amado.” E dizia isto com tal plenitude como quem dissesse: sempre me trouxeram flores, sempre comi ostras à beira-mar.
Não havia arrogância em sua frase, mas algo entre a humildade e a petulância sagrada. Parecia um pintor, que, olhando o quadro terminado, assina seu nome embaixo. Havia um certo fastio em suas palavras e gestos. Se retirava de um banquete satisfeito. Parecia pronto para morrer, já que sempre estivera pronta para amar.
Se eu fosse rei ou prefeito teria mandado ergue-lhe uma estátua. Mas, do jeito que falava, ele pedia apenas que no seu túmulo eu escrevesse: “aqui jaz um homem que amou e foi muito amado”. E aquele homem me confessou que amava sem nenhuma coerção. Não lhe encostei a faca no peito cobrando algo. Ele que tinha algo a me oferecer. Foi muito diferente daqueles que não confessam seus sentimentos nem mesmo debaixo de um “pau de arara”: estão ali se afogando de paixão, levando choques de amor, mas não se entregam. E no entanto, basta-lhes a ficha que está tudo lá: traficante ou guerrilheiro do amor. Uns dizem: casei várias vezes. Outros assinalam: fiz vários filhos. Outro dia li numa revista um conhecido ator dizendo: tive todas as mulheres que quis. Outros ainda, dizem: não posso viver sem fulana (ou fulano). Na Bíblia está que Abraão gerou Isaac, Isaac gerou Jacó e Jacó gerou as doze tribos de Israel. Mas nenhum deles disse: “Na verdade, fui muito amado”.
Mas quando do alto de seus oitenta anos aquele homem desfechou sobre mim aquela frase, me senti não apenas como o homem que quer ser engenheiro como o pai. Senti-me um garoto de quatro anos, de calças curtas, se dizendo: quando eu crescer quero ser um homem de oitenta anos que diga: “amei muito, na verdade, fui muito amado.” Se não pensasse nisto não seria digno daquela frase que acabava de me ser ofertada. E eu não poderia desperdiçar uma sabedoria que levou 80 anos para se formar. É como se eu não visse o instante que a lagarta se transformara em libélula.
Ouvindo-o, por um instante, suspeitei que a psicanálise havia fracassado; que tudo aquilo que Freud sempre disse, de que o desejo nunca é preenchido, que se o é, o é por frações de segundos, e que a vida é insatisfação e procura, tudo isto era coisa passada. Sim, porque sobre o amor há várias frases inquietantes por aí... Bilac nos dizia salomônico: “eu tenho amado tanto e não conheci o amor”. O Arnaldo Jabor disse outro dia a frase mais retumbante desde “Independência ou morte” ao afirmar: “o amor deixa muito a desejar”. Ataulfo Alves dizia: “eu era feliz e não sabia”.
Frase que se pode atualizar: eu era amado e não sabia. Porque nem todos sabem reconhecer quando são amados. Flores despencam em arco-íris sobre sua cama, um banquete real está sendo servido e, sonolento, olha noutra direção.
Sei que vocês vão me repreender, dizendo: deveria ter nos apresentado o personagem, também o queríamos conhecer, repartir tal acontecimento. E é justa a reprimenda. Porque quando alguém está amando, já nos contamina de jasmins. Temos vontade de dizer, vendo-o passar - ame por mim, já que não pode se deter para me amar a mim. Exatamente como se diz a alguém que está indo a Europa: por favor, na Itália, coma e beba por mim.
Ver uma pessoa amando é como ler um romance de amor. É como ver um filme de amor. Também se ama por contaminação na tela do instante. A estória é de outro, mas passa das páginas e telas para a gente.
Todo jardineiro é jardineiro porque não pode ser flor.
Reconhece-se a 50m um desamado, o carente. Mas reconhece-se a 100m o bem amado. Lá vem ele: sua luz nos chega antes de sua roupa e pele.
Sim, batem nas dobras de seu ser. Pássaros pousam em seus ombros e frases. Flores estão colorindo o chão em que pisou.
O que ama é um disseminador.
Tocar nele é colher virtudes.
O bem amado dá a impressão de inesgotável. E é o contrário de Átila: por onde passa renascem cidades.
O bem amado é uma usina de luz. Tão necessário à comunidade, que deveria ser declarado um bem de utilidade pública.



POTENCIAÇÃO, RAIZ QUADRADA E EXPRESSÕES NUMÉRICAS

01.

Potenciação e Radiciação - I


02.
 Potência: Exercícios On-Line. Realizar as atividades das páginas 1 a 4.

03. 
04.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Dia do Livro - Sítio do Picapau Amarelo

Assista e conheça mais sobre o Sítio do Picapau Amarelo:


EMÍLIA, A BONECA GENTE - Baby Consuelo


Homenagem ao Dia do Livro:




Relembrando personagens:







Clique nas imagens ou links e acesse atividades divertidas sobre o Sítio do Picapau Amarelo:

1) Quebra-cabeça online:














Fonte: http://www.jigzone.com/gallery/6A25093524.718225F?z=10


2) Memória:














Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/jogo-memoria-personagens-monteiro-lobato-627860.shtml


3) Monte o cenário:
















Fonte: http://www.smartkids.com.br/jogos-educativos/monte-o-seu-cenario-sitio-do-picapau-amarelo.html

4) Jogo do saci
















http://www.jogarjogosdabarbie.com/jogos-do-saci-perere.html

5) Quiz








Fonte: http://rachacuca.com.br/quiz/48946/sitio-do-picapau-amarelo-iii


Atividade criada no Programa Edilim para 1º Ano:



Atividade criada no Programa Edilim para 2º Ano:


segunda-feira, 6 de abril de 2015

COORDENAÇÃO MOTORA - LABIRINTO E QUEBRA-CABEÇA

01. COELHO NA TOCA

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http://www.edinfjogos.universoneo.com.br/index.php?task=view&id=125

02. VAMOS NOS DIVERTIR ENFEITANDO AS FRUTAS

http://www.edinfjogos.universoneo.com.br/index.php?task=view&id=166
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03. VAMOS AJUDAR O MICKEY MOUSE A RECOLHER AS MAÇÃS

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04. JOGO DAS SOMBRAS - ARRASTE CORRETAMENTE

http://www.edinfjogos.universoneo.com.br/index.php?task=view&id=97
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05. LABIRINTO - BOLHA DE SABÃO

http://www.edinfjogos.universoneo.com.br/index.php?task=view&id=26
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06. QUEBRA-CABEÇA

http://www.edinfjogos.universoneo.com.br/index.php?task=view&id=138
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08. COMPLETE A IMAGEM

http://www.edinfjogos.universoneo.com.br/index.php?task=view&id=133
http://www.edinfjogos.universoneo.com.br/index.php?task=view&id=133